Os laureados deste ano conseguiram
“aproveitar o melhor de dois mundos”, combinando física clássica e quântica
para simular de forma realista as mais complexas interações moleculares.
“O Prémio
Nobel da Química de 2013 foi para Martin Karplus (Universidade de Estrasburgo, França, e
Universidade de Harvard, EUA), Michael Levitt (Universidade de Stanford, EUA) e Arieh Warshel
(Universidade da Califórnia do Sul, EUA), “pelo desenvolvimento de modelos
multiescala para sistemas químicos complexos", anunciou ontem em Estocolmo
a Real Academia Sueca das Ciências.
Martin Karplus,
austríaco e norte-americano, nasceu em 1930 e é bioquímico; Michael Levitt, britânico
e norte-americano, é biofísico e nasceu na África do Sul em 1947; Arieh Warshel, israelita
e norte-americano, é químico e bioquímico e nasceu em 1940.
Hoje em
dia, a simulação das mais complexas reações químicas no computador é prática
corrente. Mas isso não foi sempre assim. De facto, os três laureados “construíram as bases dos
potentes programas [informáticos] que são [hoje] utilizados para perceber e
prever os processos químicos”, salienta a mesma entidade em comunicado. Como,
por exemplo, a ação de um
potencial medicamento sobre o seu alvo no corpo, que permite hoje desenhar
moléculas com propriedades terapêuticas antes de as testar experimentalmente.
No
passado, os químicos construíam modelos das moléculas que estudavam com bolas a
representar os átomos e arames para as ligações entre átomos (basta lembrar-se
do famoso modelo tridimensional da molécula de ADN, construída nos anos 1950, à
maneira de um “mecano”, por Francis Crick e James Watson no seu laboratório de
Cambridge…). E quando se tratava de simular moléculas no computador, os software disponíveis faziam-no conforme
as leis da física clássica ou as da física quântica (a física do mundo dos
átomos) - mas não as de ambas ao mesmo tempo, explica ainda a academia sueca.
Por um
lado, os programas informáticos clássicos permitiam calcular e processar
grandes moléculas químicas, mas só as mostravam no seu estado de “repouso”, o
que excluía à partida a simulação de reações químicas, que são fenómenos
dinâmicos que demoram uma fração de milissegundo e onde a configuração das
moléculas se altera radicalmente. Já quando se tratava de simular reações
químicas, era a física quântica a entrar em cena – mas aí, a potência de
cálculo necessária era tal que só era possível fazer estas simulações em
moléculas pequenas, o que excluía, logo à partida, as grandes moléculas
biológicas que são as proteínas. Os trabalhos dos laureados deste ano
permitiram aproveitar “o melhor de dois mundos”, com “Newton e a sua maçã a
colaborarem com Schrödinger e o seu gato”, lê-se ainda no comunicado da
academia.
Em 1970,
Warshel desembarcou no laboratório de Karplus, vindo do Instituto Weizmann em
Israel. No potente
computador do seu instituto de origem, Warshel, juntamente com Levitt, tinha
criado um programa capaz de simular moléculas – qualquer molécula, ate às
maiores – conforme as leis da física clássica. Por seu lado, Karplus e a sua
equipa eram especialistas do desenvolvimento desoftware capaz
de simular reações químicas com base na física quântica.
Karplus e
Warshel desenharam então
um novo tipo de programa, no qual a física quântica era utilizada quando se
tratava de simular o comportamento de certas porções das moléculas, enquanto a
física clássica tomava conta do resto. Para dar um exemplo atual, nas
simulações da forma como um novo medicamento se liga à sua proteína-alvo no
nosso organismo, o computador executaria cálculos quânticos apenas nos átomos
da proteína-alvo que interagem diretamente com o medicamento, fornecendo a
resolução máxima nessa localização.
Dois anos
mais tarde, Warshel e Levitt juntaram-se novamente. Levitt interessava-se pelas
moléculas biológicas – sobretudo pelas enzimas, essenciais à química dos
organismos vivos – e os dois
cientistas decidiram simular reações enzimáticas. Em 1976, publicaram o primeiro modelo por computador
deste tipo de reação química. “O seu programa era revolucionário porque
podia ser utilizado com qualquer tipo de molécula. O tamanho deixava de ser um
obstáculo”, escreve a academia.
"A força dos métodos
desenvolvidos por Martin Karplus, Michael Levitt e Arieh Warshel reside no seu
carácter universal. Podem ser usados para estudar todo o tipo de química, das
moléculas da vida aos processos químicos industriais." Um dos
sonhos assumidos de Levitt é simular a totalidade de um organismo vivo ao nível
molecular. E segundo a academia, "só o futuro pode decidir" se as
poderosas ferramentas desenvolvidas pelos laureados irão um dia permitir
concretizar esse sonho.”